Na fila do mercado, o jovem casal debatia. Início de vida: ele, uns 26; ela, uns 24. “Ah, a gente precisa de mais dinheiro mesmo... Mas é tão bom quando você não dá plantão”. Ele calado, apenas escutando enquanto fuçava os produtos no corredor das tentações do caixa rápido. No carrinho, arroz, feijão, duas bandejas de legumes, um cacho de bananas, uma carne.

 

“Mas no próximo sábado vou dar um almoço lá em casa!”. “Pras minhas amigas!”. “Você não tem plantão, né?”. Ele, alheio a tudo, um desânimo desolador: “Almoço pra quem?”. As amigas, claro! Fazia tempo que não as via. Na cara dele, um desconforto. Por dentro, mil conjecturas sobre quem eram as “amigas” e a angústia de pensar em socializar. Voltou ao silêncio e à leitura de outra embalagem, saiu dos chocolates para as batatas fritas em longos tubos de papelão e tampa plástica.

 

“A gente precisa trocar o nosso fogão. Precisamos economizar mais.” Além da mudez, um revirar de olhos que ela não percebeu. Por dentro, mil palavras engolidas, desacordos que silenciava cultivando úlceras. Nos olhos de quem assistia, as cenas dos próximos capítulos seriam uma discussão sobre “ou se recebe as amigas ou se junta dinheiro para comprar as coisas”.

 

No entanto, nos olhos tristes dele as frustrações pareciam mais profundas. Não era uma questão de terem ou não dinheiro. Por dentro, talvez um filme paralelo de outra vida, uma vida que ele nunca havia revelado a ela. Talvez um questionamento sobre onde estava agora e o que havia chamado de amor. Sobre sonhos que não se compram no mercado e cujo preço ninguém sabe o do outro calcular.