“Arruma o Leozinho, porque nós vamos ao shopping.” “Nossa, dá um banho antes! Ele está todo cheio de comida! Você não usou o babador?” “Vou tomar banho e me arrumar. Vamos sair em meia hora.”

 

Encher a banheira especial ergonômica quatro vezes o valor do salário recebido. Usar com cuidado o sabonete importado que ajuda a criança a relaxar. Morrer de medo de segurar de mau jeito e machucar. Vestir o body, o macacão, o casaco, a meia, os sapatos, todos com etiquetas que gritam que nenhum deles custou barato.

 

Talvez ele só os use uma vez. Entre um passo e outro, após um princípio de choro, uma verificação longínqua de um “mamãe já está indo” que não se concretiza. Em meia hora, o perfume francês chega antes e invade o quarto maior que a casa alugada seguido de “Vamos?!”

 

O olhar no espelho do armário enseja por uma arrumação no cabelo, uma blusa diferente, os sapatos mais bonitos.

 

“Leozinho da mamãe, fala para a Bá: Vamos, Bázinha, larga de ser enrolada!”

 

O diminutivo “carinhoso”, a senha da pressa. Passar a mão no cabelo na ilusão de penteá-lo. Esticar a blusa e limpar o restinho de comida que ficou na calça. Abrir o carrinho que já carrega o nome de um automóvel de luxo. Checar os pertences da criança na imensa sacola com monogramas. Encaixar o menino no assento do carrinho. Descer no elevador social de olhos postos no chão.

 

De olhos postos no chão, empurrar o carrinho pelos corredores do templo de consumo. Não receber os sorrisos falsos, não ser vista, não ser. Deparar-se com o espelho bisotado nas altas pilastras do corredor, observar o próprio espectro e não se reconhecer gente. As mãos do berço, os remadores nas galeras, os esquecidos nos navios...