A rede da solidão*
* As informações sobre a canção e a imagem estão logo abaixo do texto.
Alguém disse para ela que era preciso se conectar. “O mundo hoje é virtual, quem não está na rede está por fora”. Uma sentença bem definitiva. Melhor mesmo se modernizar, ficar por dentro das novidades. Criaram para ela um perfil, preencheram os dados, escolheu uma foto, aprendeu a acessar.
Até foi bem interessante espiar a vida alheia, navegar nas histórias de vizinhos, parentes... A nova janela para as fofocas da vizinhança (e do mundo!). O melhor lugar para descobrir as hipocrisias do dia-a-dia. Fulana viajando e a casa caindo aos pedaços... Sicrana posando de boa samaritana, mas...
Aos poucos foi entendendo os mecanismos das curtidas, da popularidade na rede. Quando viu, estava presa em uma teia de postagens cada vez mais frequentes, a vã busca por aprovação. Receitas, citações, bichinhos fofos, frases motivacionais, fotos das plantas... As curtidas não vinham. Veio um profundo sentimento de invisibilidade, de solidão.
“Você precisa disto para estar conectada”. Conectada a quem? Na lista de amigos: conhecidos, páginas curtidas, gente distante, a família que só se via no Natal. Começou a pensar se valia a pena gastar tantas horas naquela sala de estar tão artificial e fria.
No caminho para a padaria, viu o anúncio de um curso de ioga e meditação. Tinha medo de passar vergonha, mas criou coragem e se arriscou. Conectou-se. Consigo mesma. Com outras pessoas. Passou a seguir a página do curso, começou a buscar pessoas que gostassem do mesmo assunto.
Curtiu. Muito. A descoberta de que o que importava mesmo estava dentro dela todo o tempo. A luz de nenhuma tela se comparava a dela própria. A alma mais leve e os olhos abertos para o mundo lá fora. No espelho, o olhar de sua melhor companhia.
* A imagem escolhida foi tirada de um site de imagens gratuitas. A intenção era colocar um olhar no espelho, mas não diretamente. A ideia do retrovisor (e da mão feminina) veio como uma proposta de ver o que ficou atrás, ajustar a visão e seguir em frente. E quem nunca deu aquela olhada no retrovisor para checar se estava tudo em ordem? rs. Já a música, Nina Simone é imbatível! Esta é uma das minhas canções favoritas na voz dela e acho que inspira qualquer pessoa a melhorar o humor, mudar o foco, pensar sobre si mesmo de forma mais positiva. A canção é de Anthony Newley e Leslie Bricusse e faz parte do musical "The Roar of the Greasepaint – The Smell of the Crowd" de 1964. A obra foi gravada por Nina Simone em 1965 e faz parte do álbum "I put a spell on you".