

Amores difíceis *

* As informações sobre a canção e a imagem estão logo abaixo do texto.
Diferentes capas, lugares e datas, os sobrenomes das citações acadêmicas em ordem alfabética espalhados no enorme sebo de livros. Alguns exemplares amarelados, algumas histórias mais gastas que as outras. As duas mulheres namoravam a mesma longa estante, uma em cada ponta em busca do exemplar ideal.
A do lado esquerdo, na altura do C, fez cara de espanto ao se deparar com uma das obras. Retirou-a do alto e abriu na folha de rosto. Da surpresa à tristeza profunda em uma página que deveria conter apenas nome do autor, da obra, da editora… Uma lágrima caiu sobre a página e as duas mulheres ficaram constrangidas; a primeira, porque não queria ter sido vista chorando; a segunda, porque ficou sem graça por ter flagrado o momento. Disfarçaram como puderam.
Abraçada ao livro, a mulher do choro vagou entre estantes, como se tentasse fazer sentido no que lera, até sentar-se em uma poltrona e abrir novamente na mesma página e na seguinte e na outra… Parecia tentar decidir se levaria ou não o livro. A testemunha, curiosa, observava de longe, tentando entender o que se passava.
Alguns minutos depois, ainda sobressaltada e de semblante triste, a mulher devolveu o livro na letra C e foi embora da livraria. Desnecessário dizer que a outra foi até lá para ver o motivo do desencanto. Como criança com medo de ser pega aprontando, retirou o exemplar de capa azul e se escondeu para ler.
Na falsa página de rosto, uma dedicatória longa. Quem comprou o livro escreveu para o ganhador do exemplar que havia passado meses procurando o presente ideal e esperava ter encontrado o certo, aquele que faria um se lembrar do outro. Na página de rosto, fez uma descrição do teor das histórias: "desencontros do amor através da aventura de vários personagens" e finalizou dizendo "quem sabe você descubra que amar não é tão difícil assim". Tudo entremeado com um discurso de "bons amigos". Pareceu uma "direta" para o interlocutor, um "it's now or never". Na assinatura, Maria.
Talvez, então, fosse a Maria que acabara de chorar aos pés da estante, diante da surpresa, do encontro com aquelas linhas. A outra Maria ficou pensando se tinha dado certo ou não o presente, afinal, o livro foi vendido com dedicatórias e tudo. Será que o presenteado entendeu a proposta e depois de um tempo eles terminaram e o livro tornou-se uma recordação triste? Ou será que ele não quis mesmo saber do amor e descartou o presente? Restou a curiosidade. O nome do livro? Os amores difíceis.
* A imagem do conto Amores difíceis é o quadro de René Magritte, "Os amantes", de 1928, com filtro preto e branco, uma vez que a ideia não é ressaltar o vermelho de uma possível paixão, mas a dramaticidade de um relacionamento do qual não sabemos muito. A canção escolhida é a do italiano Gianluca Grignani, "Mia storia tra le dita". A canção é a primeira do álbum de 1995, "Destinazione Paradiso".