Talvez a coisa que mais tenha lhe chamado a atenção era o modo como ele ria, uma espontaneidade intensa, um riso que evocava uma sinceridade que lhe confortava a alma. Se ele era capaz de rir assim, talvez fosse incapaz de mentir.

 

Depois o riso se estendeu para os olhos e a clareza do afeto demonstrado por ele se refletiu ali de tal maneira que ela se viu desarmada. Como não amar a verdade depois de procurá-la por tanto tempo?

 

Eram capazes de conversar por horas e rir juntos das coisas mais tolas. Riam de piadas sem graça, de comentários improváveis, de patetices que cometiam e ela não se recordava de se sentir à vontade assim com ninguém antes dele.

 

Casaram-se numa cerimônia simples. Pais, mães, irmãos, padrinhos. Ele chamou a melhor amiga e o primo mais chegado; ela, um casal de vizinhos que foram como pais quando ela foi morar sozinha no exterior.

 

Talvez tenha sido o tempo fora, longe de tudo que lhe era caro, que tenha moldado nela um espírito determinado, liberto e ao mesmo tempo acolhedor. Não que não fosse assim desde antes, mas alguns anos de solidão em um lugar frio longe de casa forjam intensas reflexões acerca do que realmente importa e do quão forte é necessário se tornar.

 

O tempo de solidão pode ter atrapalhado um pouco no reaprender a dividir a intimidade. De vez em quando, tinha vontade de um filme sozinha, de uma noite espalhada na cama de casal, de admirar a beleza na rua sem se sentir culpada de uma improvável traição.

 

Improvável porque ela já conhecia a fundo a desilusão de ter sido traída. Melhor amiga, ex-marido, anos de triângulo, última a saber. A fuga para o exterior fora motivada por isso. Primeiro quis morrer, depois entendeu que a vida deveria continuar, por fim decidiu que precisava começar de novo. Pôs em uso as poucas economias e foi para o mundo.

 

Chegou a conhecer alguns estrangeiros, quase se apaixonou algumas vezes. No entanto, o espelho quebrado dentro dela não permitia que ela se visse como alguém digna de ser amada. Apenas quando retornou ao seu país e foi vencida pela espontaneidade dele é que se permitiu tentar novamente.

 

Agora estavam ali, dois anos de casamento, entrelaçados um no outro e no edredom. Ele se levantou, foi ao banheiro e no meio tempo o celular vibrou. Mensagem de texto de uma tal Marília. As mãos trêmulas tentaram segurar o resto da história. Ele nu diante dos olhos inquisidores e marejados. Na ausência de uma resposta, ela deitou o aparelho sobre seu travesseiro, levantou-se, vestiu-se e saiu pela porta.

 

Enquanto aguardava o elevador com os olhos encharcados, ouviu da casa de um dos vizinhos a canção que dizia “mas é claro que o sol vai voltar amanhã”. Abriu a porta do elevador pensando “Como eu odeio esta música!”