

Este teu olhar... *

* As informações sobre a canção e a imagem estão logo abaixo do texto.
A aula era de teatro e os exercícios do dia eram sobre confiança e reconhecimento do espaço e do outro. Na turma, cerca de vinte alunos. Entre eles, os dois. Conheciam-se há um certo tempo. Partilhavam alguns amigos, gostos musicais e a vontade de entender as artes. Não tinham combinado de fazer o mesmo curso, surpreenderam-se ao se encontrar ali.
Depois de alongamentos, respirações e relaxamento do corpo, fizeram a primeira dinâmica. Em grupos de cinco, um a um tinha os olhos vendados. O que não via, ficava no meio do círculo e deixava-se cair para que os outros quatro pudessem ampará-lo. Era preciso confiar no outro, vencer o medo. Os dois ficaram separados nesta dinâmica.
Na atividade seguinte, cada um caminhava como queria e observava o espaço em volta. Pisando como quisesse, olhando detalhes, buscando frestas, notando diferenças, lendo em cada passo. Passaram um pelo outro algumas vezes, olharam-se e perderam um pouco a noção do que havia fora.
No último exercício, a proposta era ficar de frente um para o outro e olhar-se nos olhos por alguns segundos. Encontraram-se e os segundos se passaram intensos. Ela, com um medo enorme de que ele pudesse ouvir o coração que batia escandalosamente. Ele, tentando ler o que ainda não era claro.
“Como pode caber tanto dentro de um olhar? Será que ele sabe que mora nos meus sonhos desde que o vi? Será que sonha comigo? Queria dizer tanta coisa, mas tenho tanto medo... Nunca me senti assim antes... Será que ele sente o que sinto? Será que está lendo o que penso agora? Acho que não consigo ser boa atriz... Não é possível que meu desespero agora não transpareça... Ai, que vontade de falar alguma coisa...”
“Nossa, parece que ela está olhando dentro de mim. Que angústia... Será que existe algo mais? Viagem... Nada a ver... Gosto dela como amiga. Melhor não demonstrar nada. Que exercício longo. Que olhar intenso. Será? Não... Parece que ela está nervosa. Não. Vai ver é só timidez mesmo. Até eu estou me sentindo acuado. Não...”
Troquem de colega. A voz da professora, a saída do transe. A perda da concentração no exercício, sem querer a atenção no olhar periférico. “Será?...”. A saída dele, um pouco mais cedo, antes do término da aula. A frustração de não saber, a vontade de falar algo depois...
No carro, um clique na foto do perfil para ver aqueles olhos de perto novamente. Os dedos ansiando por mandar uma mensagem, a negação e o celular guardado. Tanta coisa por dizer, tanto silêncio por resignar (se).
* A imagem deste olho bonito, com um dente-de-leão diante dele, foi encontrada na página: https://dailyquotes99.com/photos/313848/itchy-red-watery-eyes-how-to-treat-eye-allergies. Queria algo que associasse vontade de que um desejo acontecesse... Quem nunca fez um pedido e soprou um dente de leão com toda a força? Se não fez, tente algum dia. rs. A canção "Este teu olhar", de Tom Jobim, é inquestionável em termos de doçura, encantamento e paixão naqueles primeiros estágios, nos quais queremos muito, muito dizer mil coisas e o medo não deixa. Ela foi lançada em 1959 e, desde então, foi cantada por inúmeros intérpretes. A versão na página é de Luiza Possi, cuja voz acho doce e perfeita para a canção. A título de curiosidade, para saber mais sobre as canções de Tom Jobim, deem uma olhada em: https://www.revistabula.com/11079-a-historia-por-tras-das-cancoes-de-tom-jobim/.