Homens-caixa *

Uma parada antes do trabalho, média no balcão, pão no prato. As curtas e breves nuvens de fumaça sobre o copo americano. Bons dias trocados, política na TV do canto.

 

Junto ao poste da loja ao lado, uma vida embrulhada no papelão. Uns vivem para trabalhar, outros morrem e tentam sobreviver. Uns levam as horas de volta ao lar, outros foram apagados das fotos de família.

 

Um minuto de visibilidade para o grotesco que destoa do quadro perfeito. No noticiário matinal estão falando sobre as pessoas em situação de rua.

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         “Tudo vagabundo e drogado!”

         “O cheiro de cachaça a gente sente de longe!”

         “Não quer nada com a dureza, isso aí não tem nem família!”

         “Bandido bom é bandido morto!”

 

E o debate acalorado se estende a bandidos, corruptos, bêbados e drogados. A caixa se move, tem os olhos rasos. Arrasta atrás de si uma coberta, uma mochila rasgada, trapos e um passado.

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        “Nem todo vagabundo escolheu ficar deste lado!”

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Risadas em uníssono pelo sujeito. Uma voz miúda quebra a hegemonia da chacota. 

 

       “Este moço aí já foi vizinho do meu cunhado. Já teve carro, família, emprego... Perdeu tudo e ficou assim...”

 

Uns segundos de constrangimento, o café engolido, a conta, a despedida, o rumo do trabalho. O papelão segue seu caminho pela rua. Toda caixa tem altura, profundidade e largura.

 

“Havia um retrato
Pendurado na parede
Ontem era tudo, hoje eu já não sei...”

Homens caixa (Nenhum de nós)