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Quando o sol se (im)põe*

Pai e filho.jpg
Father and son - Cat Stevens
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Pai e filho conversavam lado a lado, longe do resto das pessoas. O filho parecia desconfortável. O pai tentava consolá-lo, apoiando a mão na nuca do filho, na expectativa de que este lhe correspondesse o olhar. O filho contemplava a mesa e as mãos inquietas que, em vão, tentava controlar. O pai, falando e falando ao ouvido do menino, parecia não captar os sinais da fuga.

 

Sentei-me perto dos dois e, por consequência, acabei por ouvir a conversa. O menino, com os seus dezesseis anos, óculos, jeito tímido, tênis impecavelmente limpo, recém tirado da caixa. O pai, mocassim clássico, bermuda branca, camiseta do herói favorito, relógio caro, celular do último tipo.

 

A conversa era sobre o futuro, sobre a profissão que o filho deveria seguir. No catecismo do pai o “se eu tivesse tido a oportunidade”, o “te dei o que nunca me deram”, o “você pode ser mais do que fui”. No rosto crispado do garoto, um “mas é a minha vida, não a sua” sufocado na garganta e nos olhos que começavam a marejar.

           

O pai abraçou o menino, que correspondeu com meio corpo, embrulhou o resto do sanduíche e se levantou para acompanhar, dois passos atrás, a sombra do progenitor. Ao celular, o pai atendia a uma ligação profissional. O filho caminhava medindo o chão salpicado de estrelas e ofuscado pelo sol.

* As informações sobre a canção e a imagem estão logo abaixo do texto. 

* A imagem deste conto foi feita por mim no Canva. A ideia era colocar pai e filho numa relação que parece ideal, mas não nos permite ver o rosto dos dois. O céu de fundo é este chão de estrelas... Onde estão os pensamentos de cada um? Os ideais? Uma provocação sobre relações entre pais e filhos de qualquer idade. A canção é de Cat Stevens e considero-a um poema maravilhoso sobre a relação entre pais e filhos, um diálogo sobre quais são as expectativas de cada um. Na música, creio que o pai é um tanto mais aberto aos sonhos do filho, ainda que possamos discutir bastante sobre como se dá o diálogo e o que ele revela nas entrelinhas. A música foi lançada no álbum "Tea for the Tillerman" de 1970. Vale lembrar que Cat Stevens mudou de nome ao se converter ao islamismo e agora se apresenta como Yusuf Islam. A canção faria parte de um musical que não aconteceu. Se considerarmos o teor do musical, já teríamos outra discussão. 

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