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Sexta-Feira da Paixão *

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Stabat Mater Dolorosa - Pergolesi
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* As informações sobre a canção e a imagem estão logo abaixo do texto. 

Naquelas Sextas-Feiras, tudo em volta se enchia de luto. Não sabia se era uma memória de fato ou o sentimento daqueles anos, mas lembrava-se de dias frios, sem luz e de profundo e triste silêncio. Achava até que os pássaros se calavam, os grilos ficavam quietos e os bichos de casa se recolhiam em respeito à dor. A mãe proibia brincadeiras e risos frouxos. Proibia a carne e o Nome citado em vão. A mãe se solidarizava com a outra Mãe na dor pelo Filho.

 

Até ter idade para entender aquelas histórias que lhe contavam sobre a cruz, a morte de um inocente e o amor/sacrifício que salvava a todos, achava tudo muito estranho e apenas obedecia a contragosto. Ao ter idade para compreender as histórias, ainda assim achava difícil ouvir sobre tamanha violência, tortura e sofrimento. Por que um inocente deveria pagar por todos os outros? Por que carregar uma cruz que nunca deveria ter sido dele?

 

Ao ver o mundo de tantos inocentes crucificados, morreu um pouco mais todas as Sextas-Feiras... E como era sofrido ouvir de novo e de novo o julgamento injusto, o lavar das mãos, a acusação do povo, a queda, o desespero da mãe, a angústia da dor, tamanha dor... A idade trouxe a percepção de que algumas coisas mudam, outras jamais mudarão.

 

As Sextas-Feiras agora nem parecem as mesmas... Os pássaros ainda cantam mais discretos, mas há barulho em volta, sol e muita gente na rua. Gente que talvez nem pense muito na morte de um inocente. O sol brilha, mas o mundo parece mais frio. É como se a violência, a dor e a tortura fossem naturais. Agora se morre um pouco mais em muitas sextas-feiras e sábados e domingos... Tantas Marias se perdem de seus filhos em julgamentos injustos, em dores que parecem impossíveis de curar... A tristeza que mais dói dentro do peito hoje é o lavar das mãos que se repete num ciclo sem fim...

* Para esta narrativa, escolhi a escultura de Michelangelo que, na minha opinião, é uma das mais clássicas representações de Maria e Jesus já feitas. Falo pela delicadeza dos traços e a precisão técnica impecável empregada pelo artista. A obra tem várias réplicas pelo mundo, mas a original está na Basílica de São Pedro, no Vaticano. A Pietá data de 1499.  A canção Stabat Mater Dolorosa é de 1736 e foi composta por Giovanni Battista Pergolesi. Ela é o primeiro dos doze movimentos da obra Stabat Mater e consiste em um dueto entre soprano e contralto. Para entender a profundidade da letra, vale checar a tradução aqui: https://www.stabatmater.info/portugese/. 

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