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Um universo azul *

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Until all the pieces fit - Kaity Meagher
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* As informações sobre a canção e a imagem estão logo abaixo do texto. 

Aplaudia o canto dos pássaros, porque era capaz de ouvi-los com uma nitidez inexprimível. Assim como também precisava celebrar o farfalhar das folhas das árvores, o caminho das formigas e a gota de orvalho na pétala de uma flor. Se o vento batia no rosto, dançava porque sentia, no fundo da alma e na pele, o ritmo daquele sopro.

Vez em quando, ria de coisas antigas, como se soubesse que a graça não se perde com o tempo, mas se aprimora. Também chorava, muito, muitas vezes, ao se lembrar de dores e angústias de momentos que outras pessoas haviam esquecido. Tudo intenso, tudo em alta rotação.

Um dia, numa das crises de choro, encontrou no meio da grama uma pequena joaninha. O choro foi engolido, aquela pequena bolinha com bolinhas pequenas nas costas lhe pareceu bem mais interessante que o pranto. O bichinho pousou em seu braço e estabeleceram ali uma dança, uma conversa.

A menina perguntava à joaninha em pensamento: Por que ficar parada por horas se tão breve é o instante? Por que não testar o gosto das coisas e, se gostar, querer comer para sempre? Por que não eleger uma cor favorita e pintar o armário só com ela? Por que ouvir alguém incessantemente se tem tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo?

A joaninha, que na verdade era uma fada disfarçada e sabia ler pensamentos, respondia docemente: Porque talvez você saiba viver e eles não. Porque eles não conseguem enxergar como você. E a menina riu, um riso profundo, daqueles que vêm lá do fundo e se espalham pelo rosto e pelo corpo em gargalhadas. E ainda dançaram um pouco mais, até que a joaninha se foi e a menina se deitou na grama para assistir às nuvens.

Vez em quando, tudo em volta era muito. E doía nos olhos, nos ouvidos, no corpo, dentro do peito... É que sentir demais em um mundo que oferecia um milhão de estímulos e se anestesiava para eles era demasiado difícil. Se sentissem como ela, se fossem capazes de compreender a simplicidade da folha, do sol, do pássaro, da formiga, do vento... Se...

 

Para Cíntia e Henrique, dois amores especiais

* Em Um universo azul, quis colocar elementos que remetessem aos símbolos da luta pela conscientização sobre o autismo. A cor azul e o quebra-cabeça são dois elementos importantes e reconhecíveis por quem acompanha de perto a delicadeza e os problemas de quem tem o transtorno. Por isso, escolhi o quebra-cabeças com a imagem de um lugar que remete à história, disponível em: https://bit.ly/2xldzRv. Além dele, queria uma joaninha e que ela fosse azul, claro. A imagem foi encontrada em: https://www.pinterest.ch/pin/647603621386871079/. A canção escolhida, "Until all the pieces fit" foi composta por Kaity Meagher em 2014, exatamente para conscientizar as pessoas sobre o autismo. Meagher trabalha com o ensino especial e a letra da canção é de uma sensibilidade ímpar. Uma tradução e um apelo de quem sofre com isso. Não pude evitar as lágrimas quando ouvi... Normalmente, não gosto de falar sobre como pensei nos contos, mas este foi feito para a Cíntia, uma criança maravilhosa que amo imensamente. Passeando com o meu cachorro numa manhã qualquer, me vi paralisada ouvindo o canto de um pássaro e ela me veio à lembrança. Enquanto eu paro às vezes para ouvir um ou outro detalhe, ela está integralmente ligada, sentindo tudo intensamente. Fiquei me perguntando como seria ser assim e como conviver com tanta informação. No fundo, acho que eles vêm o que é mais importante e nós que complicamos a vida... 

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